"Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso." Bertold Brecht____________****** Este blog pra ser bem comprendido deve ser lido na ordem cronológica, ou seja, do artigo mais antigo para o mais recente****

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Sobre a translação, rotação, rodopiar até voltar-se contra!

Numa madrugada de quinta-feira, a polícia de Las Vegas recebeu uma chamada de uma mulher que dizia ter visto a descer a rua um bode que conduzia um hipopótamo. Esta história foi contada pelo Herald Tribune em 1973. Na verdade, a história era verídica. Os animais tinham fugido do jardim Zoológico e dirigiam-se para o deserto. Quando os polícias colocaram uma trela no bode e tentavam acenar para segurar o hipopótamo, aperceberam-se que o mastodonte seguia religiosamente o bode. Resolveram leva-los de volta ao jardim e, claro, o hipopótamo o lá seguiu.

Efabulando a notícia as coisas passaram-se mais ou menos assim: No jardim Zoológico de Tulsa de Las Vegas, já tarde o bode notou que o tratador tinha deixado as portas destrancadas e num golpe de língua lá conseguiu abrir as portas, mas cautelosamente abriu somente a sua e a do hipopótamo (vegetariano e valentão) não fossem enfrentar adversidades – vá acorda HIPO, anda, vamos fugir para o deserto! – acordando bode o hipopótamo em tom de surdina, o qual respondeu: – Ah! quê? fugir para o deserto para quê? – Fazer fortuna, pois claro! – respondeu o bode determinado. – Ora esta…- disse o Hipo, – para virarmos um monte de ossos e carne seca para os abutres? – Não, anda lá, não muito longe daqui há um lago, que a maior parte do ano é um lamaçal…- Palavras que disseste, lamaçal era com o Hipopótamo, mas a caminho, começou a reflectir e: – Mas que é que fazemos lá? – O bode muito empreendedor: -Fazemos um SHOW para turistas entediados! – Um Show?!!!! – replicou o hipopótamo- é disso que vamos comer? E mais, nós não temos qualquer tipo de talento! – O bode lá replicou: – Não te preocupes que eu tomo conta do espectáculo e tu danças. – E foi nesta alegria de demi plies pelo Hipo, que eles lá seguiram, o bode montês, salta aqui e ali e mais um rodopio, o Hipopótomo lá lhe foi seguindo. – Ora isto não parece díficil, vamos fazer uma dupla e tantos: Fred & Ginger. O problema é que os nossos potenciais artistas nos seus passos de rotação e translação iam fazendo um ruído ensurdecedor, mini terramotos de rua e atraindo assistência animal, que entre guinchares e piares lá iam chamando os amigos pró espectáculo. Era na verdade um espectáculo oportuno, quem pensara pôr um hipopótamo a dançar ballet? Era algo extraordinário. As sugestões de passos pelo bode eram sempre cautelosas e cuidadas, não fosse o movimento desmanchar numa chafurdada. Com certeza sonhava com o seu projecto. Sabendo bem que tinha um hipopótamo, e não belas cabras montesas para fazer a sua versão do lago dos cisnes… Ora naquele ruído atraiu os gatos de rua, aqueles vaidosos, que andam sempre a saltitar e a bailar pelas caleiras, ora se abespinham, ora ronronam, o show do quarteirão é deles. Primeiro ficaram cheios de inveja, depois os manhosos e contorcidos bichos  pensaram que aquilo poderia dar lucros, ser um bom tema de visitas de humanos, e onde há humanos há lixo e restos de comida e sobras, etc. Saltaram para o lombo do hipopótamo e lá começou o grasnar e miar: somos os DONOS do quateirão, portanto têm de trabalhar para nós. O bode determinado com o lago na cabeça, ignorou. No entanto, a nova bailarina foi-se afeiçoando aos ronronares e promessas, aos suaves raspares de unhas no lombo, às grande latas de  repolho, sobras do mercado da esquina… etc. Foi quando o Hipopótamo já comprado disse: – EU FICO AQUI! – o bode ao voltar-se viu nos olhos dos felinos a manha, a gatisse e absolutamente furioso disse: – Não vês que nos apanham e prendem. Aqui ainda não é lugar nenhum para espectáculo. O projecto… – O hipopótamo, também furioso e brutamontes berrou com aquela bocarra: – CALA-TE BODE! EU É QUE SEI QUE ESPECTÁCULO VOU FAZER! e o bode triste disse: – Mas tu não és meu amigo não fui eu que te ensinei a dançar?… – Foi aí que a mulher acordou,  ligou para a policia e denunciou os bailarinos. Os gatos ,esses lá conseguiram o que queriam espantar os novos artistas do quarteirão deles… Diz-se que o hipopótamo continua a treinar os demi plies e as rotações para a piscina do jardim Zoológico, que sem compreender só faz um mergulho estapafúrdio para entreter os papalvos. A liberdade, essa é incomoda, dá trabalho e dá preocupações!

A fábula só introduz o tema: como é que eu voltei numa rotação e translação a cair na mesma esparrela? Ora bem vistas as coisas: Não sei ao certo. Rotações e rodopios da vida. O certo é que o projecto de desenvolver uma companhia de teatro como os comoDEantes era antigo e fora inspirado em alguns projectos como o de Toga Sanbo, o do Teatro Regional da Serra de Montemuro, e na minha experiência de ERASMUS na escola de Dartington, em Inglaterra. Fora tema do meu trabalho final de curso intitulado «Pela demolição da quarta parede (considerações acerca do teatro rural)» Onde já propunha  um projecto como o de Quintandona, com companhia de teatro, espaço cultural e um festival. (podem consultar na biblioteca da ESMAE, não vá eu estar a mentir…)

Depois de alguns trabalhos de visibilidade profissional recebi o convite de uma associação juvenil na Sobreira para criar uma “escola de teatro” ,que aceitei criando uma companhia de formação inicial. Mas o grupo que se comprometia a inscrever e alinhar no projecto era um grupinho de Recarei que costumava estar no Motarbar, que habitualmente trazia propaganda e um jornal do PCP, que é malta normalmente entusiasta das artes e que a sabe respeitar…  A Associação por sua vez, propôs e prometeu mundos e fundos, ordenados e regalias… De desconfiar, quando a esmola é grande…

Foi aí que criamos o grupo de teatro que deu origem ao 1º espectáculo que se chamava “O regresso do Roei côdeas”, um espectáculo baseado na commedia dell’arte, que atraiu muita gente, tivemos imensas apresentações. Não foi fácil criar o primeiro espectáculo, já que conforme ia escrevendo o texto, os “alunos” iam desaparecendo e os actores revelando-se ora mais ou menos disponíveis para aceitar a formação e até para resolverem os desafios das personagens. O trabalho foi longo, lento, mas acabou por criar frutos. Revelou talentos, mas também carácteres e feitios… Como sempre disse, o teatro tem um efeito revelador nos actores, as camadas superficiais caem e põe a nu formas de estar.

Mas logo após a estreia lá vieram os «gatos» para se apropriarem do quarteirão, e claro impor clausulas tipo POLÍTICAS CULTURAIS de alinhamento relacional: Não dizes mal de mim e fazes o que eu quero! Ah! pois e tens que pagar uma renda pelo espaço. Onde é que eu já ouvi isto? NÃO VOS PARECE FAMILIAR? Pois o poder político seja qual ele for, não digere muito bem críticas e o modus operandi é sempre o mesmo. Aos artistas pode-se dizer de tudo, mas a um líder não… E porque o pessoal não ia sequer resignar-se  a tamanha subjugação, saímos. Saímos da Sobreira sem rumo. Aliás, por acaso já tínhamos um espaço, que o Pe Mário João nos tinha oferecido. No entanto, logo fomos rondados pela “entidade”, no sentido de termos um espaço, um palco ali mesmo no salão.

Politica outra vez? NÃO, NÃO! Propus então criar a associação, para podermos ter carácter jurídico e uma afirmação. Uma defesa, já que a nossa autonomia institucional dar-nos-ia uma liberdade de acção para podermos criar os nossos espectáculos, criticar quem quiséssemos, etc. Bom, acabei por fazer criar e fazer tudo, desde os estatutos à auscultação da notaria de Penafiel, até a um juiz do tribunal de Penafiel. Apesar da falta de ajuda, isso não me impediu de criar a associação, e em 2005, aquando  das eleições autárquicas com as habituais inaugurações, o lugar de Quintandona foi visitado e inauguradas as remodelações da recém-nomeada Aldeia Preservada! Eu por gentiliza avisei o presidente da junta que iríamos apresentar o grupo às entidades e à comunidade no dia seguinte. Coitado, digo eu! Passou a noite a rebolar-se com as possibilidades de enxovalho que poderia fazer um “teatro” nas vésperas de umas eleições… E como mais tarde admitiria, consultou o consultor-mor, ou guarda-chuva-político, seu tio, que lhe recomendou para se resignar…

A apresentação correu bem, deixou um sabor doce, inspirou e projectou facilmente o que viria a acontecer: o projecto Quintandona, e o sr presidente da câmara entusiasmou-se e apropriou-se do conceito de tal forma que ainda hoje afirma como ideia sua. KA kA KA! E logo se propôs a “armador da frota”, quando ela já tinha zarpado. Obrigada, assim qualquer um!

A surpresa aconteceu, não dos políticos, mas das pessoas de Quintandona, que às propostas de apresentação oficial do grupo de teatro num magusto, juntou-se numa desfolhada a rigor: com carros de bois, bailico e farda a condizer. Aqui sim, foi acto fundamental para criar e cimentar o projecto, a que aliás boa parte dos comoDEantes se opuseram e se negaram participar.

Mas por um punhado de vida, tem outras histórias de bastidores, que até tem alguma graça, especialmente o tema do cemitério, que foi levado a peito… ra! ra! ra! Mas fica para próximas histórias.

Bem hajam,

Pedro

p.s. – às vezes questiono-me se alguém lê isto! Porque quanto sei os actuais fazedores da cultura Lagarences não lêem e não acham importância a isso…